Das direções, ou para que serve uma minoria I

Com alguma ironia, houve quem afirmasse que a solução encontrada para a direção do Bloco, a partir da IX Convenção, teria sido a preconizada pela minoritária moção R. Sem designar qualquer coordenador, a instituição de uma Comissão Permanente de 6 pessoas, com representação das 4 listas, foi a tentativa de ultrapassar o empate entre as duas moções maioritárias. Catarina Martins foi a porta-voz do Bloco nessa solução de direção coletiva e Pedro Filipe Soares foi líder parlamentar. Marisa Matias na candidatura presidencial e várias outras pessoas, em vários momentos, protagonizaram combates essenciais do Bloco. Ao contrário do que muitos vaticinavam, afinal, não haver chefe máximo designado, mas antes pluralidade na representação pública, permitiu-nos fazer política, ter votos e reconhecimento.

Sem nunca ter sido a caricatura de seis líderes a atropelar-se a cada momento, torna-se imperativo também constatar o óbvio: este órgão não assegurou nunca a distribuição de tarefas de representação entre si e não foi por ele que a designação de porta-vozes efectivos passou. Assim, com existência irregular e sem funções claras, a Comissão Permanente, afunilou o seu funcionamento no último ano, para um estilo de direção política profissionalizada e sem lugar para outras formas de participação. Na moção R deixámos de conseguir acompanhar o seu trabalho.

Uma Comissão Política de 18 pessoas, com representação plural e proporcional aos resultados obtidos na convenção foi uma novidade imposta pela alteração estatutária e que contrariou a história de fechamento e déficit democrático da direção mais permanente do Bloco. Nela participámos sempre que a moção R foi convocada, com ideias e propostas, na divisão de trabalho. Nela constatámos a dificuldade para tomar decisões. Raras vezes a comissão política deliberou e acompanhou a execução das suas decisões.

Aliás, o estabelecimento de um acordo entre as duas moções mais votadas na última convenção não apenas dividiu a meias os lugares supostamente elegíveis nas legislativas como também fez com que as esferas informais dos encontros entre lideranças destas tendências se fossem sobrepondo ao papel da Comissão Política à qual escaparam vários debates importantes ou que tendo sido nela discutidos chegaram lá como que pré-negociados.

Uma das poucas vezes que a Comissão Política chamou a si o papel de decisor foi aquele em que, na sequência do processo conduzido por uma comissão negociadora, votou o acordo de apoio parlamentar ao actual governo. Relembre-se que, no início do processo, as 3 condições anunciadas por Catarina Martins no debate televisivo com António Costa, não foram decididas ou sequer discutidas pela comissão política, pela comissão permanente e muito menos pela Mesa Nacional. Como foi reconhecido, também não o foram sequer pela direção de campanha. Este momento de inflexão radical da linha decidida na anterior Convenção, mesmo que fosse uma fútil manobra de retórica, a partir dos resultados eleitorais, transformou-se num processo incontornável que nos levou onde estamos hoje: a apoiar um governo do Partido Socialista.

A decisão final sobre este processo foi tomada a 9 de novembro na Comissão Política, apesar de termos proposto que esta decisão fosse da Mesa Nacional, o órgão com mais legitimidade para o fazer. De forma estranha, nessa reunião, votou-se primeiro e debateu-se depois. A Mesa Nacional ratificaria o acordo a posteriori, não tendo tido dele conhecimento antes da sua divulgação pública: “Compromisso de sigilo com o PS”, responderia a maioria quando na CP propusemos a sua distribuição aos membros da direção máxima do Bloco.

Depois de debate intenso, a moção R decidiu votar contra, uma vez que este processo tinha sido mal conduzido. Consideramos que, para o futuro, o Bloco precisava de precaver a sua autonomia dado o carácter insuficiente do acordo para garantir uma política que enfrente os desafios da dívida, do Tratado Orçamental e da chantagem permanente das instituições europeias. Portador desde o seu nascimento em 1999 de um projecto alternativo ao social-liberalismo, o BE não poderá deixar-se submergir em acordos de gabinete viáveis apenas a curto prazo nem deixar de combater a austeridade light que se adivinha no horizonte próximo.

Desta forma, a tarefa política essencial da próxima direcção do Bloco não será apenas gerir as desilusões abertas pelas expectativas goradas do fim da austeridade mas sobretudo mobilizar um amplo campo social para que uma política maioritária anti-austeritária possa ser uma realidade.

As reuniões da Mesa Nacional foram, regra geral, preparadas de modo deficitário pela Comissão Política. Apesar de esta estrutura ser na sua esmagadora maioria composta por profissionais da política, os projectos de resolução e documentos foram entregues em cima da hora, não dando tempo para pensar, criticar, propor, aprofundar, fazer todo o trabalho suposto de uma direcção política. Para além disto, os projectos de resolução nem sequer foram propriamente discutidos e votados na própria Comissão Política mas resultavam de uma discussão solta e de uma elaboração apressada posterior por parte de uma comissão de redacção. Este modo de trabalhar foi um constrangimento à qualidade das suas reflexões.

Na primeira reunião da Mesa Nacional, as 4 pessoas eleitas pela Moção R começaram por propor que no seu regulamento, as substituições respeitassem o princípio de igualdade de género. Apesar de termos argumentado contra esta alteração estatutária da anterior Convenção, entendemos que ela não deveria ser violada por um qualquer regulamento interno. A maioria da Mesa Nacional entendeu de forma diferente e não houve nenhuma reunião neste mandato que tivesse mantido o equilíbrio de género que os Estatutos consagram. Nessa mesma reunião insistimos para que o líder parlamentar do Bloco tivesse a dignidade de uma votação na Mesa Nacional e que fosse indicado publicamente na mesma ocasião em que a Catarina Martins era designada porta-voz. Esta solução foi aprovada e permitiu tornar visível o equilíbrio conseguido.

Defendemos sem hesitações a autonomia e capacidade de decisão das organizações regionais para definirem estratégia de alianças, como no caso da Madeira na preparação das eleições regionais. Integrámos todos os grupos de trabalho e comissões criadas a partir da Mesa Nacional: finanças,  referendos, funcionários, grupo de trabalho internacional, voto por correspondência, comissões de inquérito. Neles participámos e trabalhámos para apresentar propostas viáveis e que representassem um percurso de trabalho sobre cada uma das questões. Neste âmbito propusemos a publicação online dos contributos dxs deputadxs e dos salários de funcionarioxs, que estes últimos, fossem pagos através de uma tabela salarial única calculada a partir de 3 salários mínimos, regras de transparência e igualdade para quem trabalha no Bloco. Não tivemos força para ver nenhuma destas propostas aprovadas. Integrámos algumas comissões de redação que, a partir da Comissão Política, propuseram resoluções à Mesa Nacional, apresentámos emendas (algumas aprovadas a maior parte nunca concretizadas) e resoluções alternativas quando julgámos que eram necessárias outras respostas. Opusemo-nos à guerra imperialista na Síria e à possibilidade desta ser mascarada com motivos humanitários, propusemos um grupo de trabalho para fazer o levantamento de situações e para propor uma linha de ação do partido que queríamos que fosse das solidariedades. Criticámos e opusemos-nos aos eixos programáticos que foram a base do programa para as eleições legislativas e convocaram a III Conferência Nacional. Criticámos o facto da austeridade surgir como entidade abstrata e apenas no plano nacional, por ser um texto defensivo e desistindo de pensar um modelo alternativo à gestão capitalista. Opusemo-nos ainda, propondo alternativas,  porque se tratou de um processo sem condições para uma participação alargada dos aderentes. Em março, propusemos uma moção de censura ao governo Passos/Portas quando se tornou público que o primeiro-ministro se tinha esquivado com sucesso ao pagamento à segurança social. Opusemo-nos sempre a todas as manobras de subversão que, em nome da disputa interna, fizeram e refizeram as regras consagradas nos Estatutos.

Combatemos a antecipação da Convenção por entender não haver motivos para um debate essencial. Propusemos campanhas políticas, como uma sobre o controlo público da banca, reconhecidamente urgentes mas que não saíram do papel. Apelámos, ao longo destes meses que o governo com apoio parlamentar da esquerda leva, para que o Bloco não limitasse a sua acção política ao quadro institucional dos grupos de trabalho com o governo, para que desenvolvesse campanhas mobilizadoras, para que começasse desde já a organizar a partir de baixo a resposta à chantagem das instituições da União Europeia.

Com raras exceções, em todos estes temas, votámos sós na Mesa Nacional. Participámos sempre com a naturalidade das opiniões que nos pareceram certas em cada momento, em cada tema, sem cálculos táticos ou acordos de bastidores. Não levámos nunca o debate interno do Bloco para fora dele. Não foi por nossa culpa que o Bloco foi uma fuga de informação permanente.

Por esta altura, quem resistiu a ler este texto até aqui, perguntar-se-à sobre a razão do título: “Mas afinal, para que serve uma moção minoritária?” – pois, cara leitora, não serve para nada, ou para muito pouco, com a enorme exceção da possibilidade de deixar de o ser.

João Carlos Louçã, Albertina Pena, Alex Gomes, Carlos Carujo, Catarina Príncipe, Irina Castro, Nuno Moniz, Samuel Cardoso