Caminhos que são raízes

1- Um país que não pára de empobrecer

Pela primeira vez na sua história, o BE apoia um governo. Como aqui chegámos?

Há um consenso no BE à volta da inevitabilidade do acordo de governo.

Interessa mais, contudo, reflectir no processo que nos levou até ele e nos procedimentos de decisão que revelou. Interessa a contracorrente afirmar que o ponto de partida para o acordo foi fraco (as condições iniciais, que serviam para começar o diálogo na base da desistência do PS de medidas gravosas propostas, tornaram-se condições finais), que a atitude de avidez mediática que assaltou o BE nesses dias não beneficiou a sua posição negocial, que o acordo foi prejudicado pela incapacidade de unidade entre BE e PCP. Tal como é importante reconhecer que o resultado dificilmente seria diferente ainda que tudo tivesse sido conduzido de outra forma já que dependeu da correlação real de forças saída das eleições e da pressão da vontade generalizada para encontrar alternativas imediatas à austeridade.

Há também consenso noutro ponto: o acordo de governo é limitado, a austeridade não acabou mas foi aliviada permitindo a muita gente uma melhoria. Agora, revelar-se-á cada vez mais urgente responder politicamente a esse país que não parou de empobrecer: através das desigualdades inerentes ao capitalismo, da crise que não foi resolvida, da estrutura produtiva deficitária do país, da dívida incomportável, do desinvestimento nos sectores sociais e culturais do Estado.

 

2- A ditadura austeritária e os cenários políticos

Pela primeira vez, o BE apoia um governo. O que resultará daqui?

Há um consenso à volta de que, mesmo sendo uma experiência limitada, a burguesia europeia atacará fortemente as políticas deste governo.

Contudo, a história recente do BE em termos de cenários recomenda-nos precaução e abertura sobre as consequências desta ideia. O BE foi determinista quando pressupôs a inevitabilidade do segundo resgaste, era a teoria que Portugal era apenas a Grécia em diferido, foi determinista quando decretava que a única política viável à esquerda passava pelo tabu da permanência no euro. Agora, o cenário mais consistente será o agravamento da pressão das instituições europeias para intensificar a austeridade. Nesta leitura confluirão uma esmagadora maioria de bloquistas que repetirão ter aprendido com as lições gregas. Contudo, a imprevisibilidade existe já que não conhecemos os efeitos da evolução grega, do crescimento da extrema-direita, do Brexit, nem a forma como evoluirá a curto prazo a crise presente do capitalismo…

Sobretudo, há que precaver-nos de imaginar como hipótese única de fim do actual ciclo um grande conflito clarificador com a União Europeia em que o PS cede. Ou seja, é possível que a austeridade seja servida outra vez em lume brando, à social-liberal. Se na primeira hipótese se encontram fronteiras claras e escolhas declaradas, na segunda nem por isso. E mesmo a teoria da marcação de linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas (quais?) responde apenas facilmente ao primeiro caso. No segundo ver-nos-emos confrontadxs com o problema: a partir de que medida parcelar se declara o governo como de austeridade e se corta com ele?

 

3- A mobilização como raiz

Pela primeira vez, o BE apoia um governo. O que fazer? Como se situar perante ele? Como preparar o futuro?

Há um consenso que o BE não pode ser a muleta do PS ou o gabinete de relações públicas do governo. Há que afinar melhor o discurso para que o apoio crítico não soe apenas a apoio fazendo-nos perder a autonomia do nosso projecto político.

Há consenso que temos que aproveitar a actual janela de oportunidade para mudanças. Mas também temos de ter a consciência de que a soma destas mudanças não resistirá a uma reviravolta política.

Tem havido quem coloque o problema em termos do que fazer quando o governo cair. Só que o verdadeiro problema é o que fazer desde já. Porque se fingirmos que está tudo bem até ao momento em que caia entraremos na discussão a perder e atrasados. A tentação “atentista” e de gestão imediatista da política podem ter consequências graves.

Há consenso no BE: a resposta adequada é política pela base, dar força aos movimentos sociais, mais democracia interna. É pena que este consenso seja mais aparente do que real, que entre o dito e feito haja distância: esta direcção foi incapaz de implementar as mais elementares medidas de democratização interna que decidiu na Conferência de Organização, a sua política é profissionalizada e institucionalizada (com a maior parte dos quadros a fazer trabalho institucional), as campanhas políticas não existem ou são pouco imaginativas. E a grande razão disto é a macrocefalia da estrelinha cabeçuda, a centralização excessiva em poucxs dirigentes. É, pois, tempo de ser exigente com este consenso de que é preciso construir desde baixo. Mudaria todos os nossos percursos. Enraizar-nos-ia.

Há caminhos que são raízes. Angulosos e incertos. Prendem-nos ao chão das lutas permitindo-nos outros voos. Valem a pena.

Carlos Carujo